Qual a relação entre o planejamento educacional e o ministério transcultural?
“Para alcançar os não alcançados, é imperioso um compromisso de longo prazo e força para permanecer.” – William Taylor
Para o mundo ser alcançado, precisamos não somente de obreiros indo para os campos, mas indo e permanecendo.
No seu livro, Preparando-os para Perseverar, Margaetha N. Adiwardana fala sobre a não permanência de obreiros no campo e cita problemas relativos aos filhos entre as 10 razões principais do retorno precoce. Isto inclui o retorno para a educação dos filhos, a não adaptação dos mesmos à nova cultura, apresentação de necessidades especiais, ou manifestação de problemas de comportamento.
Há tempos, o retorno do campo por questão da educação dos filhos, vem atingindo as famílias de obreiros dos países enviadores tradicionais como os EUA, Austrália, e os países da Europa. Na realidade brasileira, por ser mais recente no cenário de trabalhadores globais no mundo, o enfrentamento das dificuldades relacionadas a educação dos filhos, são também mais recentes, e com o tempo, vêm igualando aos índices dos países enviadores tradicionais. Muitos casais que foram para o campo sem filhos ou com filhos pequenos são hoje pais de filhos adolescentes.
Planejamento educacional como um desafio
Neste artigo vamos referir aos filhos de obreiros globais como Filhos de Terceira Cultura, FTC. O FTC é alguém que passou um tempo significativo dos seus anos de desenvolvimento em um país diferente de um ou ambos os pais, muitas vezes por questão do trabalho dos pais.
A questão do ensino médio e superior do filho de obreiros transculturais brasileiros, têm sido um desafio, especialmente para os que se encontram em países em desenvolvimento. Quando a família trabalha em um país onde há um bom sistema educacional que supre as necessidades dos filhos, a opção de fazerem o ensino médio e superior em escolas nacionais pode ser uma boa alternativa, mas para muitas famílias esta não é a realidade. Nos países e regiões onde existem o maior número de povos não alcançados, a vida escolar tende a ser um grande desafio, desde o ensino fundamental ao ensino médio, o qual pode se tornar ainda mais difícil. Países como os EUA tem o homeschooling legalizado e com inúmeras opções curriculares para o ensino fundamental e médio. Já no Brasil, a educação domiciliar (homeschooling), não está expressamente prevista na Constituição brasileira, ainda que o movimento de homeschooling esteja crescendo exponencialmente nos últimos 15 anos. Atualmente, é possível encontrar opções e currículos para homeschooling que seguem o sistema de educação brasileiro, abrindo o leque de alternativas viáveis para a família em campo transcultural.
Entendemos que o FTC, um dia vai chegar à maioridade e andar com seus próprios pés no caminho que Deus tem trilhado para ele. Este caminhar perpassa a transição de adolescente para jovem/adulto a qual coincide com o término do ensino médio e o início da faculdade. Esta transição é complexa para ele e as vezes é até mais difícil para os pais.
A decisão de onde o FTC fará o ensino superior, se for o caso, deve ser essencialmente dele próprio. Compreendemos, porém, que esta decisão estará limitada as decisões que seus pais fizeram ao decorrer dos anos, limitando ou aumentando as opções e oportunidades futuras para ele.
Como podemos deixar as portas abertas para os filhos dos obreiros transculturais brasileiros que queiram ou precisem voltar para Brasil para continuar seus estudos? Será se podemos facilitar o seu retorno para estudar na pátria? Existem maneiras de diminuir o número de obreiros que deixam o campo definitivamente para acompanhar os filhos na reentrada?
Entendendo as possibilidades
Entendemos que a escolha do filho dos obreiros transculturais brasileiros por fazer o ensino superior no Brasil pode ser uma boa opção, pois o país tem universidades públicas e particulares excelentes. A trajetória internacional do FTC aumenta a sua maturidade intelectual e muitas vezes o equipa para conseguir uma vaga na universidade.
Talvez devamos perguntar primeiro “porque o FTC não voltaria para estudar no Brasil?”. Algumas respostas possíveis se apresentam:
- Caso já exista escolas adequadas de nível médio e superior no país de serviço dos pais, como por exemplo, na França, o FTC criado dentro do sistema educacional francês, pode preferir manter seus estudos por lá.
- Existe certo desprezo generalizado ao sistema brasileiro acadêmico em comparação com escolas de “primeiro mundo”. Às vezes, os próprios pais desencorajem os filhos com suas atitudes e comentários quanto a educação brasileira.
- O FTC, sendo ensinado numa escola internacional ou escola para FTC, no sistema britânico ou americano, onde todos os estudos são em inglês, pode optar por estudar em um país de fala inglesa.
- Por ter estudado numa escola internacional de fala inglesa, a família e a agência enviadora entendem que a única alternativa é uma escola superior em um país de fala inglesa.
- O português, a língua de herança, não foi nem falada, nem ensinada em casa, assim, o FTC não tem esta ferramenta essencial para estudar no Brasil.
Mesmo que o desejo e planejamento estão voltados para estudar no exterior, nem sempre acaba se realizando e o retorno para Brasil pode ser a única alternativa. O Brasil oferece boas opções educacionais para FTCs. Embora muitas escolas públicas de ensino fundamental e médio podem estar aquém, existem ótimas escolas públicas e particulares no ensino básico brasileiro. Não podemos deixar de falar do ensino médio federal, CEFET, e programas similares que são excelentes e financiados pelo governo. No nível superior, há boas alternativas de universidades, tanto privadas, quanto públicas, sendo as públicas boas e gratuitas. A opção de fazer a universidade estadual ou federal e depois uma pós-graduação fora do Brasil é uma excelente opção para muitos FTCs.
O fato do FTC ter estudado na língua inglesa não significa que ele não possa fazer o ensino superior em português, desde que ele seja fluente no português. O aprendizado em outro idioma pode ser transferido para a educação no Brasil. Um ano de cursinho pode capacitá-lo para ter bons resultados no Enem ou em um vestibular. E a riqueza de ser criado no exterior, muitas vezes traz experiências e habilidades que o colocam a frente dos seus colegas monoculturais em sala de aula. Porém, um bom tempo de adaptação e atualização no Brasil, com o português acadêmico e com o sistema educativo brasileiro é essencial para um bom rendimento educacional. A presença dos pais e um ambiente acolhedor criarão um espaço para se estabelecer na nova situação de vida. O tempo de adaptação normalmente varia entre um à três anos, mas pode até se estender por mais tempo.
O momento decisivo
Existem famílias que deixam o campo devido à educação dos filhos justamente no período em que os pais estão se tornando mais eficazes e maduros no ministério. A tendência é que estas famílias acabem se envolvendo na igreja local, acomodando-se na pátria, e jamais retornando ao campo, deixando uma grande lacuna, não só no campo, mas especialmente na área de liderança, pois geralmente estão entre os que têm maior experiência e maturidade.
Suponhamos que a família já esteja no campo por mais de cinco anos, talvez até dez ou quinze anos e seus filhos estejam chegando ao final da adolescência e precisem retornar à pátria para completar o ensino médio ou entrar no ensino superior. Nessa altura do campeonato os pais:
- São fluentes na língua;
- Conhecem bem a cultura;
- Têm experiências próprias de vivência no campo;
- São mais maduros;
- Têm construído relacionamentos profundos.
Estes obreiros, estando nos anos mais frutíferos, de repente, deixam o campo!
Não há problemas os pais retornarem para acompanhar o filho na etapa crítica de reentrada. De fato, isto é salutar e importantíssimo para o filho. O problema é a tendência dos pais de ficarem na pátria, e não retornarem ao campo.
Como podemos mudar a equação para ver um número maior de casais maduros de volta ao campo? Se este retorno ocorresse com mais frequência, isto seria um grande ganho para o trabalho transcultural e possibilitaria maiores avanços.
Vamos olhar o desenvolvimento típico da carreira de um obreiro. Geralmente, teria a seguinte sequência, ou algo parecido, na sua trajetória:
- Preparação (seminário e experiência em sua igreja local);
- Candidatura com uma agência;
- Um período num país de fala inglesa para aprimorar o inglês antes de chegar no campo, caso seja uma exigência do campo ou da agência;
- A chegada ao campo;
- Aquisição linguística e cultural. (2-5 anos para a fase inicial);
- Imersão no ministério;
- Mais treinamento;
- Ministério frutífero contínuo;
- Liderança.
Durante esta trajetória, haveria intercalado várias licenças do campo para descanso, levantamento de sustento, prestação de contas, divulgação do ministério, visitação aos parceiros, estudos, atualização de documentos, tratamento da saúde, passar tempo com a família, e tempo para se atualizar com a realidade da pátria.
Quando pensamos em um solteiro(a) ou só um casal, estas fases são mais simples. Mas, quando há crianças, tudo muda e as necessidades dos filhos precisam ser consideradas. Como já referimos, uma das necessidades básicas do FTC, é a da educação. Quando os filhos são novos, as opções acadêmicas tendem a ser mais variadas e flexíveis. Quando o ensino médio ou superior está iminente, a situação pode causar certo pânico. “E agora, o que faremos?” Muitas vezes, é neste ponto crucial que pais voltam para a pátria, e acabam deixando o campo para sempre e com isto, toda a riqueza da experiência e liderança em potencial no campo são perdidas.
O nosso desejo e oração é ver casais maduros retornando ao campo e continuado um trabalho frutífero, após seus filhos terem passado pela reentrada na pátria e estarem bem adaptados.
Alicia Bausch Macedo fundadora do Philhos, o ministério para o FTC, através da AMTB – Associação de Missões transculturais Brasileiras.
Hoje ela e Rosifran se dedicam a estes ministérios através do CIM Brasil/AMTB
Alicia é autora do livro Estamos de Mudança, e organizadora do Manual Flechas, e dos livros A Presença do Pai, Criando Filhos Entre Culturas e Estudante Global.Extra – Alícia Bausch Macedo: Estudou no Elim Bible Institute em Rochester Nova Iorque, USA. Missionária da Missão AMEM (WEC Brasil) desde 1985