Abuso Infantil no Campo Transcultural

Dicas para a proteção dos filhos entre culturas

Proteger as crianças contra os abusos que ocorrem no campo transcultural também faz parte de nosso chamado!

Quando estou em reuniões com outros obreiros brasileiros, líderes, pais e mães em serviço transcultural, e partilhamos alguma história das experiências de abuso sexual infantil que ocorre no campo, os colegas ficam muito surpresos e assustados.

O mais triste e desgastante quando trazemos esses temas a tona “de repente”, é que o assunto é desconhecido por pais e mães, assim como pelos líderes, tanto quanto é recorrente que aconteçam abusos em meio ao serviço trascultural cristão.

No relatório da pesquisa da AMTB de 2022, ao perguntar às agências enviadoras: “vocês tem uma Política de Proteção e Segurança da Criança”? Das agências que responderam, 49% disse que sim, que tem uma política (que é um documento de diretrizes para proteger as crianças no campo) – ou seja, 51% dos que responderam, não tem uma Política de Proteção aos filhos de seus trabalhadores. Mais um dado me chamou a atenção: 23% das agências disseram que já vivenciaram a situação em campo transcultural onde as crianças sofreram algum incidente de abuso sexual infantil.

O que isso quer dizer:

1 – Se você ficar sabendo de um abuso sexual infantil no campo transcultural, não pense que foi algo isolado, único, que nunca acontece. Não, infelizmente não. Acontece com mais frequência do que deveria.

2 – Infelizmente, apesar da frequência, é um assunto pouco falado, pouco discutido por um número grande de agências no Brasil. Muitos pais não sabem da existência da vulnerabilidade, dos riscos de abuso infantil no campo transcultural.

Alicia Macedo, em seu artigo “Violência Sexual Infantil – um tabu na comunidade de obreiros multicultural” diz que o tabu se manifesta na ignorância e talvez na negação de que possa haver um abuso no campo. E ela cita o que o casal Leverington que trabalha com aconselhamento de crianças em vivencia fora da pátria, especificamente com prevenção e resposta de abuso, fala sobre a vulnerabilidade que os filhos dos obreiros vivem:

“Os filhos de obreiros transculturais são mais vulneráveis à violência sexual por causa de algumas características decorrentes do estilo de vida do serviço entre culturas”.

Nosso compromisso com o campo, com o testemunho, etc assim como a criação muito aberta onde todos os colegas de equipe e até os nacionais são considerados “tios e tias” de nossas crianças, e a falsa imagem que carregamos que locais como igreja e campo são sagrados e que só isso seria suficiente para proteger nossas crianças de uma pessoa maldosa que queira uma gratificação sexual, são algumas dessas características do estilo de vida que vulnerabiliza, deixa nossos filhos mais propensos a vivenciarem abuso.

Agora, você deve estar me perguntando: “Andrea, o que fazer para minimizar os riscos de abuso?”

E esse é o principal ponto desse texto e de nossa conversa.

Primeiro – ter clareza que qualquer criança é vulnerável ao abuso, isso não excluí as nossas crianças também.

Segundo – ter clareza que mesmo as pessoas que pareçam mais bem intencionadas e que convivem conosco, podem ter questões ou disturbios na área da sexualidade que possam levá-las a abusar de crianças. 

A partir disso, nós aprendemos que devemos criar barreiras, ou como meu colega pr Braian Pitondo diz, “os escudos” que protegem as crianças de abuso.

Essas barreiras são obstáculos para dificultar que as crianças passem por abuso. Existe uma teoria, de Finkelhor, que diz que para que aconteça o abuso, foram superadas quatro barreiras.

As duas primeiras barreiras a serem superadas são do próprio adulto agressor que ao ter o desejo de abusar, ao invés de se conter ou pedir ajuda e fugir da situação, vai em frente e decide que sim, quer continuar em direção à criança.

As duas últimas barreiras são externas à pessoa abusadora. Ou seja, são barreiras que deveriam estar presentes onde aquela criança está. Barreiras que quando essa pessoa abusadora tivesse oportunidade de encontrar a criança, não conseguisse alcançá-la.  A última barreira, segundo essa teoria, é a resistência da criança que ao saber/perceber que está sendo tocada de maneira inapropriada, consegue dizer “não” e consegue “contar/pedir ajuda” para pessoas de sua confiança, assim ela se livra do perigo.

Essas barreiras devem estar na comunidade onde estamos, os adultos devem saber sobre o assunto da proteção das crianças e qual é o comportamento esperado deles ao lidar com as crianças, por exemplo não se isolando com uma criança nem mantendo segredo do que fazem quando estão com as crianças. Também as crianças precisam aprender sobre sua proteção de uma maneira simples e lúdica, adequada à sua faixa etária.

Que escudos (barreiras) os pais multiculturais podem colocar no caminho para que sua criança não seja abusada:

  1. Tudo começa num relacionamento de conversas, brincadeiras, amizade, amor com suas crianças que elas podem ser ouvidas e falar livremente sobre qualquer coisa e pedir ajuda quando estão em perigo.
  2. Sentar-se no chão, brincar juntos, validar os sentimentos das crianças, ajudá-los aprender a nomear quais são seus sentimentos e como se livrar de sentimentos que aparecem em situações difíceis, são algumas das maneiras de fortalecermos e criarmos resiliência contra abuso.

Mais especificamente, os pais devem ajudar as crianças a aprenderem:

  1. Conhecerem as partes do seu corpo e saberem que tem partes que são íntimas e que não devem ser vistas nem tocadas nem por cima da roupa nem por baixo da roupa.
  2. As roupas íntimas ajudam a cobrir e proteger as partes íntimas.
  3. Todo nosso corpo é só nosso, privado, so pertence ao seu dono, e as crianças têm o direito de dizer que não querem receber ou dar um abraço ou um carinho e os adultos podem respeitá-las.
  4. Podemos usar jogos, brincadeiras, e bonecos para ensinar isso para as crianças com quebra-cabeças das partes do corpo e das roupas que cobrem o corpo, assim como ensinarmos com os bonecos apontando para eles sobre o respeito com o corpo.
  5. Lembrar que além de partes íntimas (nádegas – conhecido como bumbum, genitália – pênis e vulva; mamilos – mais conhecidos como seios ou peitos e que nas meninas cresce mais quando chegam a pré adolescência), também nossa barriga, coxas, pescoço e boca estão nesse grupo de partes do corpo que ninguém deve tocar.
  6. Segredos não devem ser guardados. As crianças devem ter pelo menos 2 ou 3 adultos que possam saber todos os segredos.“Se um segredo te faz acordar pensando, almoçar pensando, dormir pensando nele… se você sente o coração bater acelerado, e tem dúvidas se deveria guardar ou não o segredo, pode ter certeza que PRECISA contar esse segredo”.
  • As famílias podem criar uma lista de pessoas para as quais as crianças podem contar um segredo, ou pedir ajuda se passam por um problema. Criem cartões, ou cartinhas de convite para que essas pessoas sejam as pessoas que vão ajudar num problema, ou façam vídeos, telefonemas, coloquem a lista ou as fotos num mural de fotos acessível aos filhos com um coração e uma referência de que essas são pessoas que precisam saber quando algo está nos deixando tristes, preocupados, com medo, confusos.
  • “Carinho bom todo mundo pode ver, todo mundo pode saber, todo mundo pode fazer – se quiser e receber – se quiser receber esse carinho. Nunca é um segredo, ou escondido, ou isolado, ou no escuro. Carinho bom nunca é feito depois que já dormi”.

Os adultos todos do nosso contexto multicultural precisam saber que existem normas de comportamento ao estarmos com as crianças, dentre elas:

  1. Não ficar sozinho com uma criança e nem mesmo com um grupo de crianças, tenha sempre dois ou mais adultos acampanhando você.
  2. Prestar contas quando estiver com as crianças (o que aconteceu, onde, quanto tempo)
  3. Aumentar a visibilidade sempre que estiver com as crianças (não ficar isolado, escondido e nunca nenhuma atividade com as crianças pode ser um segredo)
  4. Quando recebemos visitas em casa, as nossas crianças não dormem no mesmo quarto que as visitas, adultos não dormem no mesmo quarto que crianças a não ser que sejam seus próprios filhos (se precisar dormir no mesmo quarto por motivos como uma casa de um cômodo só, que tal a porta aberta e a luz acesa?)
  5. Mesmo nossas visitas de curto período sabem sobre essas normas de conduta e as seguem, e falamos abertamente sobre isso sem que ninguém se ofenda, afinal é para a proteção dos nossos bens mais preciosos

Essas são algumas orientações iniciais para que a gente consiga proteger as crianças de abuso. Oro para que vocês continuem caminhando dando passos para proteger cada vez mais e melhor, vocês não estão sozinhos, contem conosco. A AMTB tem um Departamento de Proteção à Criança para apoiar as agências por meio de treinamentos e consultorias para que as crianças do contexto transcultural sejam protegidas de abuso. Para mais informações: protecao@amtb.org.br .

*FTC – Sigla usada para se referir aos Filhos de Terceira Cultura, característica específica como parte da identidade dos filhos trascultururais. Leia mais sobre o assunto AQUI

Andrea Espirito Santo Barrett é casada com Andrew, coordena o Departamento de Proteção à Criança da AMTB – Estuda mestrado em Liderança Educacional com a California Baptist University, estudou Desenvolvimento Integral da Criança na Malásia, e no Brasil estudou Missiologia e Fisioterapia. Fundou o “Espaço de Proteção”, uma escola online com cursos de proteção à criança. É autora da revista “Deus me criou, vou proteger meu corpo” da Ed. Cristã Evangélica. É professora do Seminário Betel Brasileiro e membro da Equipe Executiva do Movimento Lausanne no Brasil.

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