Exposição de Imagens de Crianças em Contexto Multicultural

exposição de imagens de crianças em contexto multicultural

Dicas sobre os cuidados na exposição de imagens de crianças no contexto multicultural

Há alguns anos, o jardim de nossa casa em um país da África Ocidental, ganhou um significado muito especial para mim, pois era onde conduzíamos um programa de alfabetização para meninas em situação de vulnerabilidade. Mas, um dia, uma das meninas me surpreendeu com uma pergunta: “O que você faz com nossas fotos?”, pergunta com um olhar desconfiado. A partir daquele momento, começamos a refletir de maneira mais profunda sobre o tema da exposição de imagens de crianças no contexto multicultural e a ter uma atenção especial em relação às imagens de crianças publicadas nas mídias sociais.

Exposição de Imagens de Crianças em Contexto Multicultural: Motivações, Perigos e Cuidados

Eu tenho percebido um aumento da exposição de imagens de crianças em contexto multicultural nas redes sociais, e isso me asusta. No entanto, essa prática envolve questões delicadas relacionadas à privacidade e segurança das crianças, especialmente quando se trata de crianças em situação de vulnerabilidade ou risco. Embora a intenção possa ser a de promover conscientização e mobilizar recursos, é fundamental refletir sobre as implicações éticas e legais que a exposição de imagens dessas crianças pode gerar.

Motivações

Eu poderia começar este texto falando diretamente do tema, mas parece que há algo que precisa ser discutido antes de tratar da exposição de imagens das crianças em contexto multicultural nas redes sociais, é sobre nossa motivação. Maria e Judas nos dá um exemplo claro sobre isso.

Maria e Judas

Ao ler o relato do jantar que Jesus foi convidado na casa de Simão em Betânia, examinando os presentes e tudo o que ocorreu naquela noite, decidi comparar as motivações do coração de Maria e Judas. Primeiramente, ela surpreende a todos ao derramar um frasco de perfume valioso sobre Jesus. Vejo-a completamente entregue, demonstrando com essa atitude que nada neste mundo teria um valor maior do que entregar sua vida aos pés de Jesus. Por outro lado, vemos Judas se apresentando de forma atraente, falando sobre “projetos sociais”. Sim, projetos sociais, pois ele estava propondo ajudar os pobres com a venda daquele perfume, mas, na verdade sua verdadeira motivação era obter lucro e não um interesse verdadeiro em ajudar os pobres.

Sondando os corações

exposição de imagens de crianças em contexto multicultural

Por que falar em motivação quando o que queremos discutir aqui é a exposição de fotos infantis na internet? Antes de compreendermos os riscos que isso representa, é imprescindível sondar nossos corações ao compartilhar uma imagem de criança em mídias sociais, especialmente quando se trata de crianças em situação de vulnerabilidade. Portanto, eu devo me questionar o motivo pelo qual estou compartilhando esta imagem das crianças no facebook ou no instagram.

Diante disso, quando se trata de publicar fotos de crianças em situação de vulnerabilidade para sensibilizar mantenedores sobre projetos sociais, é fundamental lembrar que essas crianças já sofreram diversos tipos de abusos e tiveram seus direitos violados. Entre esses direitos, destacam-se o direito à proteção e à privacidade. Dessa forma, a exposição dessas imagens nas mídias sociais não apenas desrespeita esses direitos, mas também configura uma forma de abuso, expondo ainda mais a vergonha e a dor dessas crianças. Portanto, é essencial refletir sobre as implicações éticas e emocionais antes de compartilhar tais fotos, garantindo sempre o respeito e a dignidade dos envolvidos.

O que Está por Trás da Exposição

Nesse contexto, tenho observado que especialmente as organizações que trabalham com projetos sociais, frequentemente utilizam a imagem de crianças em contextos multiculturais para diversas finalidades. Portanto, as principais motivações incluem:

1 – Estimular a participação de outros:

Alguns trabalhadores usam imagens de crianças em situação de vulnerabilidade com a motivação de despertar a empatia das pessoas.

2 – Captação de recursos:

Porque acreditam que a visualização direta de crianças que necessitam de ajuda pode aumentar as doações para seus projetos.

3 – Estímulo à ação social:

Usam as imagens para incentivar as pessoas a participarem, seja como voluntário, ou apoiando com recursos finaceiros.

Por trás dessas motivações, pode existir um desejo legítimo de ajudar as crianças e de motivar pessoas para participar do trabalho em favor delas. No entanto, essa prática levanta questões éticas significativas, especialmente sobre o direito à privacidade e a dignidade das crianças envolvidas.

Perigos da Exposição de Imagens de Crianças

Finalmente, minha preocupação com a exposição de imagens de crianças em situação de vulnerabilidade é que isso pode trazer uma série de perigos e consequências indesejadas, que não são perceptíveis no momento. A seguir, estão os principais riscos associados a essa prática.

1 – Violação da Privacidade

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As crianças ainda não são conscientes do que implica ter suas fotos nas redes sociais, para decidir se quer ou não que a sua imagem seja exposta. Constantemente, crianças, especialmente em contextos multiculturais, são frequentemente mostradas em situações de pobreza extrema. Essa exposição pública pode representar uma violação de sua privacidade, o que pode acarretar consequências psicológicas, como vergonha ou estigmatização. Além disso, muitos países têm legislações rigorosas sobre o uso de imagens de menores, e a falta de conformidade pode levar a processos legais.

2 – Risco de Exploração

Após a publicação das imagens na internet, você não tem mais controle sobre o destino delas. Imagens de crianças em situação de vulnerabilidade também podem ser utilizadas indevidamente. Você pode perceber que na era digital, qualquer imagem publicada pode ser compartilhada, manipulada e até usada para fins de exploração. Há relatos de imagens de crianças retiradas de campanhas humanitárias sendo usadas em contextos de abuso ou exploração sexual.

3 – Impacto Psicológico nas Crianças

Você sabia que o uso da imagem de uma criança pode ter consequências duradouras em sua vida? Mesmo que a intenção inicial seja ajudar, a exposição sem consentimento pode gerar problemas psicológicos. Nesse sentido, em alguns casos, as crianças podem reviver o trauma ao ver suas imagens amplamente distribuídas, o que pode prolongar o impacto emocional de eventos negativos.

4 – Falta de Consentimento Informado

Os parentes e até as crianças em risco podem se sentir usadas ou pensar que você está expondo sua situação de risco para tirar proveito. Vamos levar em conta que as vezes, as crianças e seus pais não compreendem totalmente as implicações de autorizar o uso de suas imagens. O consentimento informado é um princípio ético que muitas vezes não é adequadamente respeitado, especialmente no contexto trasncultural, devido à barreira linguística.

5 – Estigmatização Cultural e Social

Quando a imagem de uma criança em situação de risco é utilizada, muitas vezes ela é colocada em um estereótipo de pobreza. Em outras palavras, isso pode reforçar preconceitos culturais e contribuir para a estigmatização dessas crianças, afetando sua autoestima e o modo como são vistas por suas próprias comunidades.

Dicas de como Usar Imagens de Crianças em Contexto Multicultural de Forma Segura e Ética

1 – Tenha o concentimento devido

Informe aos familiares: Você pode explicar de forma simples o propósito de tal imagem e onde ela será divulgada, seja em redes sociais, boletins informativos ou campanhas.

Obtenha um Consentimento claro: Sempre peça permissão aos pais ou responsáveis antes de fotografar ou filmar crianças. Ou seja, esteja seguro de que eles compreendem como e onde a imagem será utilizada.

2 – Proteja a Identidade das Crianças

Edição de imagens: Ao postar uma foto em que as crianças estejam de frente para câmera, procure desfocar o rosto usando um recurso disponível para isso nos seus celulares.

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Criatividade: Você pode fazer fotos artísticas, tirando fotos apenas de uma parte dos membros do corpo, tipo, só as mãos ou pés das crianças, somente os olhos, ou apenas os cadernos da sala de aula, apenas as sandálias etc.

Anonimização: Sempre que possível, evite divulgar informações pessoais que possam identificar as crianças, como nome, localização exata ou detalhes familiares.

3 – Escolha Contextos Positivos

Testemunhos: Sempre que possível, conte histórias de superação e resiliência, mostrando a capacidade das crianças de prosperar mesmo em situações difíceis.

Imagens respeitosas: Mostre as crianças em momentos de dignidade e força. Evite imagens que as retratem em estados de extrema vulnerabilidade, como choro, fome ou doença.

4 – Ensine os Trabalhadores Globais

Normas internacionais: Incentive o uso de normas internacionais, como a “Convenção sobre os Direitos da Criança” da ONU, para orientar a criação e disseminação de imagens.

Treinamento ético:Todos os profissionais que trabalham diretamente com crianças e imagens devem ser treinados em práticas éticas e seguras de captura e divulgação de imagens.

Regras claras: Tenha escrito e colado na parede do seu projeto um cartaz dizendo que é proibido tomar fotos das crianças sem a autorização do staff do seu projeto.

Estatísticas e Estudos Relevantes

Pesquisas sobre as implicações da exposição de crianças em situação de vulnerabilidade revelam dados preocupantes. Segundo a UNICEF, cerca de 25% das imagens usadas por ONGs e projetos sociais envolvem crianças em situações de risco, e 60% dessas imagens não têm consentimento explícito.

Além disso, um levantamento da Save the Children apontou que 80% das crianças fotografadas em contextos de crise relataram sentimentos de desconforto e vergonha ao se verem retratadas em plataformas digitais.

“Onde começam os direitos humanos universais é nos pequenos lugares, perto de casa”. Eleanor Roosevelt

                “Agir sem pensar não é bom, quem se apressa, erra o caminho.” (Provérbio 19:2) Sábio é este conselho para aplicarmos antes de postarmos alguma imagem de crianças em contexto multicultural, sobretudo, aquelas em situação de vulnerabilidade. Tomemos o cuidado de examinar nossas motivações e procuremos agir com sabedoria para proteger os pequeninos que o Senhor nos confiou.

Bibliografia

Garde, A., & Byrne, S. (2020). Digital Child Exploitation and Online Vulnerabilities: An Examination of Online Risks for At-Risk Children. Child Abuse Review, 29(4), 318-332

Barros, M. (2020). Exposição de Crianças em Situação de Pobreza nas Redes Sociais: Questões Éticas e de Privacidade. Revista de Direitos Humanos, 6(2), 145-167.

Cavalcante, P., & Oliveira, R. (2018). Infância e Vulnerabilidade Digital: Desafios e Consequências da Exposição de Crianças em Situação de Risco nas Redes Sociais. Revista Brasileira de Estudos da Criança, 12(1), 99-115.

UNICEF (2022). The Impact of Poverty on Children’s Online Safety: A Global Perspective. United Nations International Children’s Emergency Fund.

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Daniela Condor

Colaboradora da redação do Blog CMM, esposa, mãe, servindo entre culturas desde 1995. Atualmente vivendo em um país da África Ocidental.

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