Autismo e Bilinguismo

autismo

Bilinguismo e autismo: como a convivência com duas línguas pode favorecer o desenvolvimento

Cerca de metade das crianças do mundo convivem com mais de uma língua no seu dia a dia. Embora evidências científicas sugiram que o bilinguismo não prejudica o desenvolvimento cognitivo e pode até trazer benefícios em algumas áreas, muitos pais e profissionais de saúde se preocupam com os efeitos negativos que o bilinguismo pode ter no desenvolvimento das crianças com autismo. Profissionais da saúde e da educação muitas vezes aconselham os pais a manterem apenas uma língua com medo de que a criança confunda ou tenha algum atraso no desenvolvimento da fala, mesmo que a criança viva em um contexto multilíngue. 

Crescentes pesquisas têm buscado esclarecer essas dúvidas e inseguranças. Um estudo conduzido por um grupo de pesquisadores da Universidade de Edimburgo, investigou sobre o impacto do bilinguismo e os diferentes aspectos do desenvolvimento cognitivo, linguístico  e social de crianças bilíngues com autismo.

autismo no CMM

Além de explorar os aspectos linguísticos, a pesquisa se destaca por ouvir as percepções das próprias crianças com autismo e bilíngues sobre o papel que as línguas desempenham nas suas vidas e na formação de suas identidades linguística e cultural. Por meio de entrevistas e ferramentas de coleta de dados especializadas que permitissem que crianças em diferentes níveis do espectro autista participassem, crianças e adolescentes entre 9 e 16 compartilharam sua compreensão a respeito do que é ser autista e ser bilíngue, como se relacionavam com a família e os irmãos, as suas experiências do cotidiano e em quais circunstâncias eles usavam mais de uma língua.  

Os resultados da pesquisa indicaram que:

  • Todas as crianças demonstraram uma atitude positiva em relação ao bilinguismo.
  • As crianças percebem o bilinguismo como um meio de expressão, que lhes proporciona muitas oportunidades de fazer amigos e de ser compreendido, também facilitando nas interações interpessoais em viagens.
  • Elas sentiram que tiveram mais oportunidades de se expressar por serem bilíngues e permitiu-lhes entender tanto as suas próprias emoções como as de outros, área na qual costumam ter dificuldades. Levando, consequentemente, a uma melhor conexão com suas famílias e culturas.
  • O bilinguismo não prejudica o desenvolvimento cognitivo das crianças autistas e pode até proporcionar benefícios em certas áreas, como funções executivas. 
  • O fato de serem bilíngues facilitou o aprendizado de uma nova língua o que os motivou a aprender mais a língua, ainda que fosse apenas para compreensão.
  • As crianças com autismo bilíngues demonstraram preferência linguística em dois aspectos: a utilidade da língua em determinadas situações e a sonoridade da língua quando era falada ou ouvida.
  • Os irmãos influenciam no grau de fluência na língua de herança, os mais velhos adquirem maior fluência em comparação aos menores.
  • Essas crianças se sentiam mais confortáveis e próximas à família por saberem que tinham a possibilidade de usar sua ‘língua secreta’ quando lhes era conveniente.

Apesar de não representar a experiência da maioria dos participantes na pesquisa, algumas crianças expressaram que se sentiam excluídas quando achavam que não eram proficientes em uma língua para discutir assuntos mais profundos e que a troca constante de códigos causava um certo estresse. Mesmo assim, nenhuma delas gostaria de ser monolíngue.

bilinguismo e autismo

Essas informações importantes sobre o impacto do bilinguismo em crianças com autismo, destacam a necessidade de uma abordagem mais inclusiva e centrada na criança tanto nas pesquisas quanto na prática clínica. É importante que famílias e profissionais considerem a importância do relacionamento das crianças com autismo com sua identidade cultural e o papel que as línguas desempenham nessa experiência. 

Como resultado desse estudo, o grupo de pesquisa criou materiais que visam disseminar suas descobertas e torná-las acessíveis por meio de recursos práticos aos pais e profissionais. Um deles é um informativo sobre crianças com autismo e bilinguismo, traduzido por mim (com permissão) que você pode acessar aqui.

Referência: Understanding the impact of bilingualism for autistic children. University of Edinburgh.   Disponível em: https://www.firah.org/upload/l-appel-a-projets/projets-laureats/2020/autism-and-bilingualism/final-report-understanding-the-experiences-of-autistic-bilingual-children.pdf

Visite o site Português Nossa Herança e você encontrará informações sobre pesquisas recentes sobre bilinguismo e língua de herança, dicas e materiais úteis que vão ajudar a sua família na trajetória linguística.

Leia também o texto “Três razões para transmitir o português aos filhos entre culturas”. Clique AQUI

Daniele Ferreira

Daniele Ferreira é uma mulher multicultural, casada e mãe de dois. Consultora linguística, mestre em português língua não materna, especialista em didática do português língua de herança e membro do Conselho de Educação do Philhos (AMTB). Fundadora do @portuguêsnossaherança, um canal de apoio às famílias multiculturais no ensino e manutenção do português.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima