Como ajudar nossos filhos a passar pelo luto em meio às transições.
Todas nós, quando começamos nosso processo de preparo para nossa mudança transcultural, começamos também um processo de luto, consciente ou inconsciente. Isso também experimenta os nossos filhos. Pode ser assustador, porque se o luto já é duro e difícil para nós adultos e muitos de nós fugimos dele, imagina para os filhos que estão desenvolvendo sua identidade.
Nossos filhos vão passar pelo luto na vida, cedo ou tarde, e não podemos fazer nada para os livrar dos sofrimentos da vida. Absolutamente todos os seres humanos vão sofrer, seguramente em algum momento, iremos perder alguém que amamos.
As vezes tentamos fugir e deixar para lidar com o luto depois. O problema é que o depois sempre chega e pode vir com juros, acompanhado de muitas outras coisas mal resolvidas, que quando chega nos soterra.
As crianças que vivem entre culturas experimentam o luto, muitas vezes desde cedo. E isso pode ser difícil, mas também pode ser a oportunidade de ver a vida de maneira diferente de quem nunca teve que mudar-se.
Tente identificar como ela está vivendo, o que está sentindo e como tem sido esse período. Passamos de maneira diferente pelo luto, temos que nos lembrar disso para acolher quem está ao nosso redor, sem medo.
Lembro que passei o ano anterior à saída do Brasil chorando. Todo encontro com amigos, chorava. Todo encontro com família chorava. Última viagem de férias cheia de choro. A última vez naquele restaurante que já viu várias comemorações, naquela última visita, ele viu minhas lagrimas também. Já meu marido passou o ano falando: “chorando de novo?” Mas quando chegamos na nova vida, ele ficou mal, várias semanas mal, em crise. Eu sabia o que era, o tal do luto.
Houve momentos que estava tudo bem, e de repente, alguma situação me trazia memórias de uma época doce que nunca mais vai voltar, e o luto me encontrava de novo. E eu chorava meu luto, tudo de novo. Tudo de novo talvez não seja uma boa expressão, porque nesse processo, eu passei a enxergar o luto como uma garrafa de água tônica. Jesus me ensinou isso no Getsêmani.
Queria te encorajar a olhar com esperança para o processo do luto ao invés de ter medo dele, e a confiar em Jesus que modelou para nós como viver o luto, no seu momento de dor mais extrema. E assim ajudar seus filhos a navegar o luto sem peso extra, olhando para ele como ele é: mais uma faceta da vida, algo que faz parte da vida.
Do mesmo jeito que precisamos aprender a estar enlutados, precisamos ajudar as crianças a viverem o seu luto e dar boas-vindas a ele sem medo. Esses dias minha filha encontrou um botão e me perguntou: “De onde é?” Eu lembrei que era um botão do sofá que ficou no Brasil. Ela então falou: “vou guardar de lembrança da minha casa e abraçou o botão”. Essa foi a maneira dela demonstrar o amor pela casa onde ela nasceu e onde nunca mais vai voltar a morar.
Em Lucas 22:39-46 Jesus está prestes e ser entregue aos soldados numa dor agonizante, ele chama seus amigos, mas ora sozinho, os discípulos não o acompanharam, o texto diz que eles estavam exaustos, dominados pela tristeza, e não eram capazes de acompanhar Jesus em oração.
Os anjos então, o serviam e ministraram às suas dores. Esse texto me ensina várias coisas sobre a dor. Como Jesus, nossos filhos são bons em verbalizar o que precisam, mas muitas vezes, como os amigos de Jesus, os nossos amigos não estão tão perto quanto desejamos. Nessas horas vemos que o consolo mesmo de fato somente Deus é quem pode dar. Encoraje-os a fazer como Jesus e verbalizar para os amigos que eles são importantes, e a verbalizarem o que desejam, mas a esperar o consolo, de Jesus, o amigo que nunca vai estar cansado ou ocupado demais para ela.
Nesse momento, Jesus orou e pediu que Deus passasse esse cálice, mas no final ele bebe o cálice amargo da separação de Deus Pai devido aos nossos pecados. No meu processo, eu comparo o luto com uma garrafa de água tônica porque ela é amarga, mas faz bem para a digestão. Tomamos de pouco em pouco ou em goles maiores, o fato é que temos uma quantidade de luto para beber para então, como num jogo de videogame, passar para a próxima fase. Viver o luto não acaba com a dor e a saudade, ao contrário, acha um espaço na estante para ela fazer parte da decoração da nossa vida. Ajude seus filhos a enxergarem que a dor faz parte da vida nessa terra e que até Jesus chorou. E se Jesus chorou, a gente também pode chorar enquanto estivermos aqui, não tenha medo do choro também, chore junto com ele. Vocês têm motivo. Quantas vezes for necessário, em voz alta mesmo, como o povo de Israel fazia (Nm 14:1). Lamente sua dor com palavras.
Hoje as crianças têm acesso a redes sociais e WhatsApp e conseguem manter algum nível de contato com amigos. Incentive que eles conversem com os amigos, façam chamadas de vídeo e tentem manter os laços de amizades mesmo que à distância. Ajude-os a perceber seus sentimentos e a falar sobre eles. As crianças que vivem entre culturas e são nativos digitais, devem usar a tecnologia como uma vantagem. O suporte emocional online não é uma brastemp, mas ser uma criança multicultural é viver de maneira diferente. Às vezes, talvez sem aquele pet que ficou, mas com amigos ao redor do mundo, que podem trazer um pertencimento, enquanto mantém uma caixinha das boas lembranças dos lugares por onde passou e que ela vai carregar consigo para sempre.
Arite Julia
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