Perseverando quando não vemos os frutos do trabalho

O moldar de Deus enquanto servímos sem ver os frutos que desajamos.

Eu habito na Ilha da Morte.
Nesse local, eu moro e trabalho com o marido e três filhos, com o intuito de amar e servir as pessoas com o amor que recebi do Senhor.

Nossa ilha é cercada por uma linda barreira de corais que acabam funcionando como uma proteção natural contra invasores. Qualquer barco grande que não saiba onde estão as falhas nesse coral por onde consigam adentrar, irão certamente encalhar, ou até mesmo afundar.

Antigamente, sem satélites e barcos de bordo para navegar, muitas embarcações sofriam nesses mares. E daí surgiu o tal nome tenebroso – Ilha da Morte.

Entretanto, esse estigma mortífero não fica apenas no plano material. Uma vez, um francês que aqui tentava tocar um restaurante encontrou um pastor que estava começando a plantar uma igreja. O europeu quis desencorajar o ministro e disse: “Nem comece! Essa ilha é o cemitério de projetos. Tudo o que você começa aqui vai acabar morrendo”.

O arquipélago onde estamos localizados recebeu a independência da França em 1975. A nossa ilha, porém, era a mais pobre e a mais negligenciada dentre as outras. Ela, então, não quis receber a liberdade. Assim, continuou pertencendo a França e hoje é considerada um estado francês. O mais pobre de todos, é verdade, mas ainda é considerada território europeu.

O povo nativo das ilhas, que primeiro havia decidido permanecer sob domínio francês, desenvolveu uma espécie de repulsa contra qualquer estrangeiro: seja ele das ilhas ao redor, europeu, ou oriundo do continente africano.

Os imigrantes, no que lhes concerne, têm medo da polícia que caminha nas ruas e controla documentos, enviando pessoas de volta para as ilhas ao redor. Os europeus têm medo da criminalidade. A ilha da morte também é a ilha do medo.

E é aqui nesse local que servimos como família. Meu marido é médico e eu professora. Temos procurado compartilhar o amor do Senhor com as pessoas, e também mobilizar os cristãos oriundos da Europa a aprenderem o idioma local e as bases da fé muçulmana para poderem ser mais intencionais em seus testemunhos.

Todavia, assim como muitas pessoas que moram em localidades onde o cristianismo é a extrema minoria, nós trabalhamos muito e vemos poucos resultados concretos do nosso trabalho. Semeamos por obediência, testemunhando, proclamando e amando as pessoas ao nosso redor. Mas, honestamente, nossos resultados aparentemente são baixos.

Contudo, há dias em que a carga de trabalho imensa somada aos poucos frutos nos leva a momentos de frustrações muito fortes.

Confesso que às vezes ficamos confusos mesmo, e tem dias que parece que Deus nos trouxe a esse local para matar nossas expectativas, sonhos e vontades. Dias em que nós nos perguntamos se a nossa presença é realmente importante aqui, em que “a mera tarefa” de amar através de nossas profissões de ensinar as escrituras aos novos crentes não parece ser razão o suficiente para ficar.

Mas Deus é sempre bom e, de tempos em tempos, vem renovando as nossas esperanças. E foi assim, que recentemente, lendo sobre a história do nosso arquipélago, eu descobri que a ilha da Morte já foi chamada pelos portugueses, na época das grandes navegações, de ilha do Santo Espírito.

Quando, anos mais tarde, os colonizadores oriundos da Arábia aqui chegaram, acabaram por impôr a sua fé e trocaram o nome da ilha, uma vez que o antigo já não era apropriado.

E desde que fiz essa descoberta eu oro para que Deus ressuscite o seu Espírito nesse local. E embora o mundo ao meu redor ainda está aparentemente entregue ao caos, Deus tem realmente reavivado a sua presença em minha vida. Tenho visto ele me tocar com o princípio da vida na cruz: quando os meus grãos de trigo morrem para que eu possa dar um fruto verdadeiro.

Aqui, nessa ilha, Deus tem me esvaziado e me libertado das minhas idolatrias, destruindo aquilo que estava me fazendo mal e me preenchendo com a sua vida. Nossa família tem aprendido que temos razões concretas para confiar no Senhor, quando não há mais nada ao nosso redor no que possamos nos apegar. Temos sido transformados em pessoas de oração não porque queremos, mas porque precisamos do toque de Deus em nossos dias.

E nosso Pai Celestial é sempre fiel. Como o vale de ossos secos que recebeu vida para voltar a conhecer a Deus, essa tem sido a nossa história. Nesses últimos anos, o Senhor tem refeito o nosso casamento, renovado o jeito que nos relacionamentos com nossos filhos e também com nossos pais. Aqui, nessa ilha da morte, Deus tem feito com que necessitemos reestabelecer as nossas prioridades e, nos dias mais difíceis, Ele tem derramado graça superabundante sobre nós.

Sem sombra de dúvidas, posso dizer que temos conhecido e recebido mais do Senhor não APESAR, mas POR CAUSA desse local.

E mesmo que venhamos a nos desgastar em tentativas laboriosas de proclamar as boas novas sem que colhamos boas respostas, temos aprendido um pouco a mais de quem Deus é enquanto ensinamos a Palavra aos poucos que abriram seus corações ao Senhor.

Assim, somos lembrados de que nosso chamado não é para fazer convertidos, mas sim discípulos, de que Ele não está interessado em abrir uma fábrica de crentes, mas sim em formar a sua família. Somos todos filhos de Deus que discipulam outros filhos de Deus. E nessa rede de relacionamentos centrados na pessoa de Jesus, o Senhor tem nos discipulado também.

No campo temos visto que na cruz se concretizou o ministério de reconciliação entre Deus e o mundo. Na nossa obediência ao “ide”, aprendemos que Deus reconcilia os seus filhos, um com os outros.

E é por todas essas razões que, embora não seja fácil, eu decido permanecer servindo ao meu Deus aqui na Ilha da Morte. Sei que, por enquanto, é aqui que Ele quer me usar e me revelar um pouco mais da sua vida e do seu Espírito. Que, neste local, Deus mate tudo aquilo que está tentado destruir sua vida em mim! E quanto a mim, quero continuar a me submeter aos seus processos de santificação, e oro para que dEle o meu cálice seja tão cheio, de forma que eu venha a naturalmente transbordar a sua vida e o seu amor a todos ao meu redor.

Indicação de leitura: Ser é o bastante

Rafaela Speckhann

É escritora, mãe, esposa e mulher multicultural.

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