Vivendo os desafios da sensação de secura espiritual
(Este texto faz parte da série de podcast Momentos Espirituais, do ministério Desde el Reino Interior, da diretora espiritual Doralicia Cajina Miranda.)
Espero que algumas partes desta série sejam úteis para dar vocabulário às etapas de desenvolvimento que atravessamos.
Hoje vamos falar de um momento importante na vida cristã, quando nos deparamos com um “muro”.
Gosto da imagem, porque fala de quando nos deparamos com algo que não esperávamos e que pode ser bastante complexo se não soubermos que é normal. Nem todos os crentes chegam a este momento espiritual e não há problema. Outros chegam, mas como é um momento de grande dor e as vezes muito incómodo, a tentação será a de voltar para trás ou de tentar contorná-lo, mas o convite desta imagem é para atravessar, e por isso representa um desafio à nossa vida espiritual.
Poderíamos dizer que é um cruzamento ou um ponto decisivo, parece também um paradoxo, vejamos porque.
Um momento paradoxo
Começamos o nosso encontro com Deus com muito entusiasmo e, por assim dizer, “emocionados” por nosso encontro com ele. Crescemos na confiança da nossa fé, nas convicções que temos, podemos perceber a presença de Deus na nossa vida de muitas maneiras e trabalhamos ativamente de várias formas, servindo os outros com os nossos talentos, dons e experiências. Se eu pudesse descrever estas etapas numa palavra, seria: “ascensão”; a espiritualidade da ascensão.
Com o passar dos anos, chega um momento em que há um convite para a “descida”; a espiritualidade da descida. E nesta etapa, a gente percebe que a energia e o entusiasmo de ser cristão diminuem. A presença de Deus e a sua consolação não são tão facilmente perceptíveis. Por vezes, há quem descreva esta fase como um tempo em que Deus é sentido como distante. E parece que a nossa peregrinação espiritual se torna mais vazia e monótona.
O que é paradoxal neste tempo espiritual é o contraste que um cristão mais maduro na fé, vê ou percebe Deus mais distante e está menos entusiasmado e com menos força emocional. Porque este momento não é familiar e tem “sintomas” desconcertantes, muitos não ultrapassam o muro, e a maior parte, por desorientação voltam aos momentos anteriores.
Aqueles que estudaram durante muitos anos estas fases, dando-lhes, como já referi, vários nomes, chegaram à conclusão de que nada mudou em relação aos momentos de subida para os de descida. A fé em Deus continua lá, apenas o entusiasmo, a energia e a sensação de proximidade, não estão lá, mas tanto a subida como a descida são dádivas de Deus.
É importante recordar que isto é uma dádiva de Deus, Ele deseja fazer-nos crescer e estar com Ele de formas diferentes das anteriores. Ele está a trabalhar em nós de forma profunda. Se você tem caminhado fielmente (imperfeitamente fiel, claro), é bom reconhecer que não fez nada de errado para estar aqui, apenas está numa mudança de momento e Deus vai guiar você através deste momento.
Aceitando o convite de Jesus
Lembre-se de que Deus é bom e está próximo, apesar da sensação de secura deste momento. Mesmo que este tempo pareça muito diferente ou não pareça nada, no fundo, saberemos que Deus está nos segurando e que estamos sendo guiados por Ele, que é muito mais imenso do que jamais experimentamos antes.
Esse estágio de romper o “muro” pode ser o início de uma noite escura sobre a qual falarei em outro podcast. Por enquanto, vamos continuar com esse momento do “muro”.
Esse momento, como mencionei antes, tem mais a ver com responder aos convites de Jesus, e não estar “no comando” de nosso próprio desenvolvimento. Esse momento pode ser tão desorientador que será importante ter em mente os seguintes convites:
1- Primeiro, resista à tentação de se “consertar” espiritualmente. “Você pode ser tentado a buscar a chave ou o discernimento espiritual para resolver esse momento. Isso é exatamente o que esse estágio deseja abraçar e nos curar dessas tendências.
2 – Segundo, lembre-se de que a secura espiritual é um sinal de que Deus está trabalhando em você. Em épocas anteriores, nos sentíamos conectados a Deus enquanto as coisas estavam sob controle e faziam sentido para nós. Nesse ponto do “muro”, nos sentimos vulneráveis e inseguros. Em vez de convencer a si mesmo dizendo: “trabalhe mais”, “concentre-se nisso ou naquilo mais, para sair daqui”… abrace, renda-se a Ele e a Seus novos caminhos que são menos “compreensíveis ou lógicos” para você.
Você pode orar com suas próprias palavras: “O que você está tentando me mostrar sobre mim mesmo e sobre Jesus, neste momento, está fazendo o seu trabalho profundo em mim.
3 – Reserve um pouco mais de tempo para ficar sozinho, refletir e ouvir a Sua voz, mesmo que esteja ouvindo Sua voz com menos clareza. Preste atenção ao trabalho de transformação do coração que Ele está fazendo em você, pois às vezes é um trabalho de purificação em que percebemos que não amamos Deus o suficiente, mas amamos o que Deus nos dá. Às vezes, isso pode nos mostrar nosso julgamento dos outros, nosso egoísmo, nossa necessidade de estar certo e até mesmo nos mostrar nossa determinação de ter uma vida espiritual vibrante de acordo com nós mesmos.
4 – Continue com suas disciplinas espirituais ou tente incorporar coisas novas. Mas não pare de praticá-las só porque você não sente ou percebe muito. Quando falo em tentar coisas novas, quero dizer que, se antes a leitura da Bíblia ou de outros livros era muito gratificante e agora não é tanto, ler textos mais curtos ou ficar em silêncio pode ajudá-lo. Entre outras coisas, como desenhar, contemplar uma pintura de que você gosta, caminhar na natureza, procurar músicas de estilos diferentes dos que você ouve, em outras palavras, procure um convite para ser criativo e se conectar com Ele.
5 – Minha recomendação é que você não percorra essa etapa sozinho. Às vezes, dependendo das comunidades de onde viemos, esse estágio não é compreendido, algumas pessoas podem incentivá-lo a ativar momentos anteriores com muito boas intenções. Mas é importante procurar um companheiro espiritual que tenha alguma experiência nesse estágio espiritual. Esse estágio geralmente é um momento de crise e, por isso, é importante ser acompanhado.
6 – A ideia desse estágio é voltar a ser barro nas mãos do oleiro. Confiar na bondade e na presença de suas mãos, confiar no tempo que Ele quer nos ter aqui neste momento e não duvide de que, ao passarmos por esse “muro” ou por esse estágio, você sairá transformado, com mais amor por Deus, pelos outros e por você mesmo.
Gostaria de terminar com o incentivo de que esse momento espiritual deve ser honrado tanto quanto os outros. Esse momento nos lembra que Deus é muito maior do que nossa compreensão. Se Deus trabalhasse apenas com nossa compreensão do que sabemos sobre Ele, com o que sabemos sobre a Bíblia, ou que entendemos de nossa vida cristã, teríamos um Deus limitado ao nosso entendimento finito
Portanto, a boa notícia deste momento espiritual é que Deus está atuando em sua vida de maneiras mais misteriosas e profundas, algumas dessas maneiras você pode entender e perceber mais tarde e outras não.
Mesmo que você se sinta confuso, perdido ou desorientado, lembre-se: Ele sabe onde você está, como está e para onde o está conduzindo.
Minha imagem favorita desse estágio é a de caminhar em um denso nevoeiro; você já esteve em algum lugar com uma neblina profunda? Mesmo que não consiga enxergar muito à frente, confie nos olhos do Bom Pastor, que sabe e vê muito além.
Deixo você com parte de alguns salmos em que o salmista expressa esse momento.
Salmo 69: 1-3
“Salva-me, ó Deus
pois as águas chegaram até o meu pescoço.
Estou afundado em um pântano profundo
e não encontro lugar para pôr os pés.
Caí em águas profundas, e a correnteza me cobre.
Estou cansado de clamar; a minha garganta está rouca;
Os meus olhos desfalecem na expectativa do meu Deus.”
Salmo 77: 1-2
“Clamei a Deus com minha voz,
clamei a Deus, e ele me ouviu.
Busquei o Senhor quando estava angustiado;
Levantei as minhas mãos para ele de noite, sem cessar;
Porque a minha alma recusava ser consolada”
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Benção de Deus.
É bom ser lembrada que Deus trabalha de diversas formas… Vai passar…
É verdade, Andréia. Eu me identifiquei tanto com essa meditação. Porque lembrei de todas as vezes que senti como se Deus estivesse tão distante, mas na verdade Ele estava bem aqui, obrando algo poderoso em mim.