Comprendendo os sentimentos envolvidos na saída dos filhos
Como mulheres multiculturais somos acostumadas a ouvir sobre transições. Aprendemos sobre elas, passamos por elas, sofremos com elas junto aos nossos filhos e maridos! Faz parte da vida transcultural.
Mas às vezes não percebemos as transições passivas. Aquelas que acontecem conosco mesmo que a gente não se mude. Quando aquela família querida de amigos sai do campo voltando ao seu país, e nós ficamos tristes, sentimos falta deles, choramos por causa da perda de intimidade na amizade. Sofremos.
Lembro-me bem de estar trabalhando no CEM como professora. Todo ano recebíamos uma turma nova – jovens cheios de expectativas e prontos para aprender. E nós com igual entusiasmo para ensinar, treinar e encorajá-los na caminhada. Mas então, após dois anos juntos, anos de lutas e choro, de alegria e vitórias, os assistimos ir embora.
Sim, indo embora para o campo, que é o nosso maior desejo, servindo ao nosso Senhor, que é tudo que desejamos para eles. Contudo junto com essa partida, vem a dor! Dor de ver esses tão queridos indo embora, muitas vezes para tão longe! Que sofrimento. Cheguei até a sair de uma formatura abruptamente antes do final (não apareci em nenhuma foto), porque o coração estava quebrado. E logo após a formatura o campus do seminário ficava vazio, e nós ficávamos abatidos com a solidão.
” E no contexto da família, há uma transição passiva que muitas não percebemos, e/ou não nos preparamos para enfrentar.”
Foi então que eu comecei a entender melhor a dor da transição passiva. E também a refletir sobre como me preparar para essa transição – a pôr no lugar alguns ‘blocos da ponte da transição’ que sabia que iam me ajudar a atravessar este rio de emoções (se você não conhece e gostaria de conhecer a Ponte de Transição entre em contato o CMM!).
Eu precisava começar antes a me desapegar e me preparar para a saída da turma. Precisava reconhecer que ia doer, e planejar algum passeio legal para os dias após a formatura para me ajudar a dar conta do campus vazio. Precisava conversar com colegas sobre essa transição e juntos apoiar uns aos outros na dor da despedida.
Mas há uma transição passiva na vida familiar que muitas não percebemos, e nem nos preparamos para enfrentar. E eu fui uma dessas. Eu viví esta expriência.
A dor de ver o filho “voar para longe”
Tenho três filhos, um rapaz e duas meninas. Nosso rapaz é muito comunicativo, muito social. A vida com ele é um turbilhão de atividades e de pessoas e quando ele era adolescente a nossa casa sempre ficava cheia de jovens indo e vindo, jantando conosco, brincando conosco, sendo parte da família. Nessa época meu marido era obreiro da ABU Brasil e viajava bastante. Meu filho se tornou um companheiro mesmo. E aí quando ele passou no vestibular para outra cidade, umas 9 horas de distância de nós, foi uma vitória e uma alegria.
Mas eu não estava preparada! Ele fez, não só as malas, mas levou consigo tudo do quarto dele para ir morar em Curitiba. Ele até cedeu seu quarto para a irmã (assim ela não precisava mais dividir o quarto com a outra irmã). Ele se levantou e foi. E a casa não tinha nem mais vestígios dele. E isso foi antes de haver um celular na bolsa de cada um! Ele tinha um computador sim, mas você acha que na nova vida dele de estudar e também trabalhar, e se envolver numa nova igreja, ele ia se preocupar em enviar e-mails para a mãe? Menos ainda achar um orelhão (lembra disso?) para me ligar. Passavam semanas que eu não tinha notícias dele! E aquele primeiro ano ele voltou para casa somente uma vez em julho por três dias e no final do ano para passar o natal conosco e depois ir para Índia (onde começou a servir!).
Reconhecendo o processo
E eu, sem entender o que estava acontecendo, entrei numa depressão. Não sou uma pessoa deprimida, geralmente sou de bom humor e muito positiva. Mas eu fiquei triste, chorando e, embora possa parecer óbvio agora olhando para trás, eu não entendia o porquê. Me questionei se era a menopausa – pode ser né. Então procurei uma psicóloga e ela pediu para falar sobre o meu relacionamento com meu marido – mas isso estava tudo bem. Ela tentou me ajudar, mas não estava funcionando. Então eu decidi ir visitar o filho em Curitiba, junto com minha caçula. Nessa visita eu falei para ele que estava me sentindo triste e ele logo falou – “Uai mãe, você está sentindo saudade de mim!”
A ficha caiu! Caiu como se fosse um enorme sino ou gongo! O barulho ecoou na minha cabeça! É isso! Conversei com ele e falei que precisava que ele me ligasse com mais frequência. Falei que precisava que ele visitasse a gente em casa. E fui para casa e abracei a minha filha do meio, que estava se preparando para ir para faculdade no próximo ano, abracei bem apertadinha e falei – “Eu vou sentir muita falta de você querida”. E ela entendeu.
A saída dos filhos para qualquer casal é uma transição grande. Sentimos falta deles, ficamos preocupados sobre o bem estar deles, ficamos ansiosos sobre o que eles estão fazendo. E também temos que nos ajustar a sermos uma família menor em casa. Até que todos saiam e fique somente o casal. É uma transição enorme. E para a família transcultural mais ainda, pois quando o filho sai de casa muitas vezes significa que ele vai para longe. A família fica separada não por rodovias, mas por oceanos. A possibilidade de visitar e abraçar fica mais difícil ainda. E a gente sofre.
O ninho vazio. Como nos preparar para esta nova fase da vida – para essa transição?
Creio que nos preparamos da mesma maneira que nos preparamos para qualquer transição … fazemos o nosso RADAR (Reconciliar, Agradecer, Despedir, Avaliar, Reconhecer).
Precisamos nos reconciliar com nosso filho ou filha antes de sua saída. Precisamos conversar, expressando como eles são importantes para nós e que vamos continuar apoiando, mesmo à distância.E o mais importante, precisamos pedir perdão por qualquer ofensa ou mágoa. Resolver qualquer problema.
Agradecer por tudo que ele ou ela significa para nós, por todos os momentos de rir e brincar juntos. Por todos os desafios que nos levaram a crescer e aprender. Por tudo que eles são. Agradecer.
Nos despedir deles com festa e passeios, com jantares especiais. Desfrutar dos últimos dias deles em casa. E dar tempo ao processo de avaliar – de considerar como a vida será sem eles por perto. Como a família que fica vai funcionar, aquilo que vai nos ajudar a dar conta dessa transição.
E especialmente, quando o casal fica sozinho com o ninho vazio, temos que prestar muita atenção à saúde da vida conjugal. Por fim, temos que reconhecer que isso vai doer. Vamos chorar. Vamos sentir saudade (sei que falam que os ingleses não sabem o que é saudade – mas sei, sim!). Mas fazendo isso vamos nos ajudar a dar conta dessa transição.
Isso me faz refletir nos capítulos 13 a 17 do evangelho de João. Neles João nos conta como Jesus se preparou e no mesmo momento preparou os discípulos para a sua saída. Lavando os pés dos discípulos ele mostrou o seu grande amor por eles. Conversando com eles sobre o que viria a acontecer, e como que ele não ia lhes abandonar sozinhos, mas enviaria o Espírito Santo. Avisando-os da dor de separação que eles iam sentir e o sofrimento e perseguição que iam suportar também. E ao final orando por eles.
Que essa seja a nossa maneira de nos preparar para o ninho vazio – não esquecendo desta última ação tão importante – a oração.
Que Deus lhe ajude, cada um, a passar por este momento de separação dos filhos tão queridos.
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Leia mais artigos relacionados aos Filhos de Terceira Cultura em no blog CMM, clicando AQUI
Obrigada Jan por compartilhar o que você aprendeu. Espero estar bem preparada para quando este tempo chegar.
É verdade. Estar consciente de que sentimentos como esses que a Jan passou, é parte do preparo. Eu me identifiquei tanto com o que ela escreveu, que parecia que ela estava descrevendo a saído do meu filho de casa e como me senti.
Amém Silvana.
Li esse artigo em meio a lágrimas, pois vivi isso ha dois anos e ainda n me adaptei completamente com o ninho sem ele. Obrigada querida por compartilhar sua experiência e nos dá passos práticos de como nos preparar para essa transição.
Eu também li esse artigo em lágrimas Patricia. Só vivendo, para compreender a dor que é ter um filho longe. Nosso conforto é saber que está bem cuidado pelo Pai.
sabe que eu acho que a gente se adapta mas com dor ainda no coração – e isso é certo – devemos sentir a dor de não estar juntos. Mas aprendemos a viver com essa dor. E a sorrir, celebrar, abraçar etc quando estamos juntos.
Semana que vem vou poder abraçar o meu filho, e a nora e os netos – por uns dias … e vou abraçar muito ….
É bem verdade. Foi duro pra mim a mudança de campo missionário sem os filhos.
Eu fiquei mal durante um tempo, também pensei que tivesse a ver com a menopausa.
Depois de 8 meses precisei atravessar o oceano e ir visita-los. Minha filha sentiu-se acarinhada e aproximou-se de mim como amiga. Meu filho também não estava muito bem com as mudanças em sua vida.
Antes de despedir dos meus filhos e retornar ao campo, meu filho entregou-me uma cartinha dizendo da importância dessa minha visita em sua vida.
Que Deus nos ajude nesse processo!
Uau, que forte testemunho Kellen. E quão maravilhoso é o Senhor que te concedeu a oportunidade de ir visitá-los.
que bom poder fazer essa visita. Acho que como obreiros temos que colocar no orçamento ‘visita da mãe aos filhos’!!!